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GUIANA E
SURINAME: UMA OUTRA AMÉRICA DO SUL
Tomado de:
Ao Emb. K.
Nandoe,
um cosmopolita
do Sul.
Paulo Fagundes
Visentini*
A Guiana e o
Suriname são os dois Estados mais novos e menos povoados da América do Sul e
estão entre os de menor dimensão territorial. Além disso, ambos se caracterizam
por uma composição etno-cultural extremamente complexa e diversa, por idiomas
distintos dos demais países sul-americanos e por uma inserção voltada para o
Caribe e, ainda, em certa medida, para as ex-metrópoles. Trata-se de países
ainda fragilmente conectados com aos seus vizinhos terrestres e, apesar de
possuírem grandes possibilidades produtivas (especialmente nos setores mineral
e energético), a economia ainda é rudimentar e carente de infra-estrutura de
transportes e energia.
Tudo isso
permite caracterizá-los como "uma outra América do Sul", distinta da
platina e da andina. Nesse contexto, representam, portanto, um desafio à
política externa brasileira e uma espécie de "nova fronteira" do
processo de integração sul-americano. Além disso, o curto período de vida
independente (a Guiana quatro décadas e o Suriname três) foi caracterizado por
forte instabilidade política. Regimes autoritários e experiências com modelos
alternativos, em meio ao declínio econômico, se alternaram com frágeis
democracias parlamentares, marcadas por um baixo índice de governabilidade,
pela fragmentação partidária e, muitas vezes, pela semi-paralisia
administrativa por parte do Estado. No plano externo também há graves
problemas, pois ambos países possuem os mais graves e extensos litígios
fronteiriços da América do Sul: Guiana-Venezuela, Guiana-Suriname e Suriname-
Guiana francesa. Além disso, a diplomacia conheceu, logo após a independência,
uma linha errática e marcada por rupturas.
O baixo nível
de vida (a Guiana tem a menor renda per capita sul-americana), as deficiências
estruturais e o elevado índice de desemprego, todavia, podem ser indicadores
enganosos, na medida em que o petróleo começa a ser explorado (especialmente no
Suriname) e outros minerais, como ferro e ouro, também, além dos projetos
hidroelétricos. Mas para a potencialidade econômica transformar-se em
realidade, é necessário maior apoio externo. E, nesse sentido, ambos paises
começam dar-se conta de que a cooperação com o Caribe, os Estados Unidos e a
Europa tem de ser acompanhada por uma integração com os vizinhos terrestres.
Assim, quanto mais o desenvolvimento for interiorizado, maior relevância
ganharão as relações trans-fronteiriças e a integração regional, inclusive com
a necessidade de enfrentar as ameaças transnacionais que acompanham o
processo.
1. A colonização e a formação sócio-cultural
Juntamente com
a Guiana francesa, que é parte integrante da França e da União Européia, a
Guiana (ex-inglesa) e o Suriname (ex-Guiana holandesa) formam uma região
geopolítica própria, as Guianas, voltadas para o Caribe e, apesar de cobertas
pela floresta amazônica, se encontram separadas da Bacia amazônica pelo
planalto das Guianas, cujos picos mais elevados chegam a atingir três mil
metros de altitude. A Guiana possui uma
*Paulo G.
Fagundes Visentini. Professor Titular de Relações Internacionais da UFRGS,
Pós-Doutorado pela
London
School of Economics. (paulovi@ufrgs.br)
superfície de
215 mil km2 e uma população de 800 mil habitantes, enquanto o Suriname abrange,
respectivamente, 163 mil km2 e 450 mil habitantes. Mais de 90% da população se
concentra na faixa litorânea, tendo o interior uma população extremamente
rarefeita. A Guiana Francesa possui uma superfície de 91 mil km2 e uma
população de 170 mil habitantes.
Essa situação é
explicada facilmente pela estrutura da colonização inglesa e holandesa. Os
navegadores espanhóis e portugueses, que exploraram as costas, não se
interessaram em colonizá-las, o que foi feito pelos holandeses, que
estabeleceram assentamentos agrícolas na desembocadura dos rios dos dois
países, sendo o primeiro deles no Essequibo, em 1616. As colônias, voltadas aos
cultivos tropicais (especialmente o açúcar) e à exploração da madeira e outros
recursos naturais, tardaram a prosperar, devido às epidemias e aos ataques dos
índios Caribes e Arawaks, os habitantes autóctones. Em 1796, durante a
Revolução Francesa, os ingleses ocuparam as colônias ocidentais, situação que
foi reconhecida pela Holanda em 1814, a qual manteve apenas o litoral do atual
Suriname, enquanto Portugal ocupou temporariamente a Guiana Francesa durante as
guerras napoleônicas.
A carência de
mão de obra para as plantations levou os colonizadores a introduzir escravos
africanos, muitos dos quais se revoltaram (desde a rebelião liderada por
Cuffi), fugindo para a floresta, onde os Maroons (como ficaram conhecidos)
criaram sociedades baseadas nas estruturas sócio-políticas da África ocidental.
Com a abolição do tráfico, os ingleses trouxeram trabalhadores chineses e
indianos a partir da década de 1830, na condição de Indenture Servants, o que
também foi feito pelos holandeses a partir da década de 1870 com indianos e
indonésios, especialmente javaneses.
Assim, foram
sendo formadas sociedades multiétnicas e multiculturais, com uma ampla
variedade racial, lingüística e religiosa. Ameríndios de vários grupos
(especialmente no interior), afro-descendentes assimilados nas plantações e
cidades, "negros da floresta", indianos de várias origens (de
religião hindu e muçulmana), indonésios javaneses (muçulmanos), chineses,
ingleses e holandeses, além de mestiços, constituem as principais comunidades.
As elites são relativamente permeáveis aos casamentos mistos, mas em geral cada
grupo mantém forte identidade, havendo pouca mestiçagem. Posteriormente,
a constituição dos movimentos e partidos políticos foi fortemente
assentada em linhas étnicas.
Atualmente a
Guiana possui uma população de 800 mil habitantes (já foi de mais de um milhão
em 1980), com uma expectativa de vida de 62 anos, um crescimento anual de 1,6%
e uma densidade de 3,3 habitantes por km2. Em termos religiosos os cristãos
representam 50% da população (33% protestantes e 17% católicos), os hinduístas
34% e os muçulmanos 9%. Etnicamente, os hindus constituem 50% da população, os
afro-descendentes 33% e os 17% restantes são ameríndios, mestiços, chineses e
europeus. Apenas 32% da população é urbana e Georgetown, a capital, conta com
234 mil habitantes. O PIB é 1,1 bilhões de dólares, com uma renda per capita de
apenas 1.375 dólares. Os idiomas são o inglês, o hindi e o urdu, com um
analfabetismo de 3%.
Já o Suriname
conta, hoje, com uma população de 493 mil habitantes (há quase 10% de
brasileiros, a maioria clandestinos), com uma expectativa de vida de 71 anos,
um crescimento anual de 1,3% e uma densidade de 2,6 habitantes por km2. Quanto
à religião os cristãos representam 44% da população (23% protestantes e 21%
católicos), os hinduístas 26%, os muçulmanos 19% e os cultos tradicionais
ameríndios 5%. Etnicamente, os indo- paquistaneses constituem 37% da população,
os mestiços 30%, os indonésios (javaneses) 16%, os afro-descendentes 10%, os
ameríndios 3%, os chineses 2% e os europeus 1%. Metade da população é urbana e
Paramaribo, a capital, conta com 243 mil habitantes. O PIB é 1,5 bilhões de
dólares, com uma renda per capita de apenas 3.102 dólares. Os idiomas são o
holandês (oficial), o hindi, o javanês, o crioulo, o francês e o inglês, com
uma taxa de analfabetismo de 8%.
No final do
século XIX, à medida em que os custos da mão de obra aumentavam e as metrópoles
criavam imensos impérios coloniais na África, Ásia e Oceania, as plantations
tradicionais declinavam. O açúcar, o café e o cacau cederam parte de seu lugar
às exportações de arroz, bananas e cítricos, mas a grande novidade foi o início
da exploração da bauxita para a fabricação de alumínio durante a Primeira
Guerra Mundial, nos dois países. Durante a Segunda Guerra Mundial, para
exemplificar a importância do novo ciclo econômico, 75% das importações
norte-americanas de bauxita eram provenientes do Suriname. Em ambos paises a
exploração era feita por empresas transnacionais, como a ALCOA, empresa dos
Estados Unidos.
2. O nacionalismo e a independência
tardia
O processo de
descolonização foi mais precoce nos paises asiáticos e africanos, dado que a
existência de uma população autóctone, com tradições históricas e culturais que
antecediam o colonialismo, era uma condição importante para a articulação de
forças políticas independentistas e de uma consciência nacional. Já o caso das
Guianas era mais complexo, pois a maioria esmagadora da população era
imigrante, justamente do período colonial. Além disso, o caráter multiétnico e
multicultural da sociedade representava um obstáculo adicional, pois a relação
de cada grupo com o colonizador era diferenciada. Assim, nas Guianas e no
Caribe o processo de descolonização foi, comparativamente, tardio.
Na Guiana, o
movimento pela independência ganhou impulso após a Segunda Guerra Mundial,
através do Partido Popular Progressista (PPP), organização multi-étnica que
defendia uma plataforma de independência nacional e reformas sociais de matizes
socialistas, fundado em 1950. O líder do PPP, Cheddi Jagan, foi eleito para o
cargo de primeiro ministro em 1953, 1957 e 1961, nos marcos de um regime de
autonomia concedido pela Inglaterra em 1953. Temendo a agitação popular, os
comunistas e a radicalização esquerdista do PPP, os ingleses suspendem a
Constituição em 1957. Frente à pressão popular, em 1961 é concedida autonomia
total e com a maioria do PPP na Assembléia, uma nova Constituição é promulgada
e Jagan reeleito.
Paralelamente,
ocorre em 1955 uma cisão no PPP, com a criação do Congresso Nacional do Povo
(PNC), liderado por Forbes Burnham, com base étnica nos afro- descendentes. Os
indianos continuam vinculados ao PPP de Cheddi Jagan.
Todavia, as
razões da divisão não foram exclusivamente comunitárias, pois as empresas
estrangeiras, especialmente norte-americanas, temiam o movimento de Jagan e
contribuíram para a ascensão de uma liderança rival. Entre 1962 e 1964 crescem
os confrontos entre os partidários do PPP e do PNC e em 1964 Burnham se torna
primeiro ministro, com apoio de outras minorias, nucleadas na Força Unida.
Seguem-se violentos conflitos comunitários, que levam os britânicos a intervir
e, na seqüência, a conceder a independência completa à Guiana em 25 de maio de
1966, dentro da Comunidade Britânica de Nações (Commonwealth). Em 1968 Burnham
é reeleito e, em 1970, para surpresa de muito, transforma a Guiana na primeira
"República Cooperativa" do mundo.
O vizinho
Suriname, então Guiana Holandesa, tem, desde o fim da Segunda Guerra Mundial,
um movimento nacionalista ativo pois, da mesma forma que a Inglaterra, a
Holanda saíra do conflito bastante enfraquecida. O National Party Kombination
(NPK), de base predominantemente criola, era uma frente de quatro partidos de
esquerda que defendia uma plataforma independentista desde 1945. O rival Vatan
Hifkanie, partido liderado por Jaggernauth Lachmon e dominado por comerciantes
e empresários indianos, desejava, por outro lado, adiar a independência. Em
1954, no contexto das negociações com a Indonésia, é concedida autonomia dentro
do Reino Tripartido da Holanda, com a concessão de cidadania holandesa a grande
parte da população.
Em 1973 o
independentista Partido Nacional do Suriname (NPS), de certa forma sucessor
do NPK, de base criola e liderado pelo liberal Hinck Arron, vence as eleições,
tornando-se primeiro ministro. Com apoio de Lachmon, a independência foi
proclamada em 25 de novembro de 1975, com consentimento holandês. Um terço da
população, detentora de cidadania holandesa e que incluía a maioria da classe
média, aproveitou a oportunidade para se transferir para a ex-metrópole. Isto
causou uma aguda falta de quadros técnicos e administrativos no novo pais,
ocasionando a estagnação e retrocesso da produção, especialmente da
agricultura. Apenas as empresas transnacionais Suralco e Billiton, que
monopolizavam a exploração de Bauxita, seguiam funcionando regularmente e,
assim, dominando a economia do pais. Mesmo assim, em 1977 Arron foi
reeleito.
O pais foi
estruturado como uma democracia parlamentar e sistema de partidos, constituído
durante a fase de autonomia, foi consolidado, representando, sobretudo, os
grupos étnicos: Partido Nacional do Suriname (NPS), de base criola; Progressive
Reform Party, apoiado pelo hindus; Indonesian Peasant's Party, de base
javanesa; e o pequeno Partij Nationalistische Republiek (PNR), esquerdista e
independentista. Tanto a Guiana como o Suriname ascenderam à independência
durante um período caracterizado pela ascensão do terceiro-mundismo e do
Movimento dos Paises Não Alinhados, o que se refletiu na vida política de ambas
nações.
3. A difícil consolidação do
Estado-nação
Como foi visto,
pouco tempo após a independência, o governo Burnham realizou uma inflexão à
esquerda. Em 1970 proclamou a República Cooperativa da Guiana, de tendência
socializante, procedendo à nacionalização da economia e à adesão ao
não-alinhamento.
Em 1973 mobilizou as massas numa
"Revolução Cultural", introduzindo o Programa conhecido como National
Service, com o objetivo de aumentar a auto-estima dos guianenses.
Brigadas atuavam em tarefas destinadas a dotar a população de
alimentação, vestuário e moradia, além de haver sido criada uma milícia popular
para defender a Revolução.
Em 1976, três
quartos da economia estava controlada diretamente pelo Estado, e os elevados
preços dos produtos de exportação do pais no mercado internacional permitiram
ao governo aumentar os gastos públicos, especialmente na área social. Entre
1970 e 1975 a economia cresceu num ritmo superior a 4% ao ano.
A orientação da
política externa, que até então era direcionada ao mundo anglo-saxão,
especialmente em direção ao Caribe anglófono, ganhou uma dimensão ideológica.
Desde 1965 a Guiana integrava a CARIFTA (Caribbean Free Trade Association), que
em 1973 se transformou em CARICOM, mas a orientação diplomática
pró-norte-americana de Burnham, em 1970, enveredou para o não-alinhamento (a
Cúpula de 1972 do MNA foi sediada em Georgetown), causas terceiro-mundistas e
cooperação com os paises socialistas, com reconhecimento diplomático e certa
cooperação econômica com a URSS, o leste europeu e Cuba. Tratava-se, entre
outras coisas, de uma forma de esvaziar a plataforma esquerdista do rival PPP,
de forte ressonância popular. A América Latina, por sua vez, estava ausente da
agenda de política externa de Georgetown. A diplomacia guianense se pautava por
cinco princípios: 1) não-alinhamento; 2) apoio às causas progressistas
mundiais; 3) unidade econômica do Caribe anglófono; 4) militância
anti-Apartheid; e 5) integridade territorial face aos litígios fronteiriços com
a Venezuela e o Suriname.
Em
1962 a Venezuela manifestou o desejo de rever o acordo de fronteira de 1899
sobre a região de Essequibo, que representava mais da metade do território da
Guiana. A independência de um frágil pais que se avizinhava, atiçou a ambição
venezuelana, que não teria mais de tratar com a poderosa Inglaterra. Em 1967
vetou o ingresso do pais na OEA e em janeiro de 1969 fomentou a rebelião de
fazendeiros e indígenas no sul da região em litígio.
Os rebeldes assassinaram
vários policiais e o governo revidou enviando o exército, que arrasou
aldeias e fazendas, expulsando-os. A Venezuela viu-se isolada
internacionalmente e, no ano seguinte, firmou o Protocolo de Port-of-Spain, que
definia uma moratória de vinte anos para o litígio. A tensão retornou em 1981,
quando o presidente Luis Herrera Campins recusou-se a renovar o
Protocolo.
Contudo, a
Guerra das Malvinas em 1982 e a invasão americana à ilha de Granada em 1983
(Burham era aliado de Maurice Bishop e seu Partido New Jewel) criaram novas
condições para a cooperação entre os dois paises. As relações com os Estados
Unidos, por sua vez, eram difíceis, pois Washington acusava a Guiana de
permitir a escala, no aeroporto de Timehri, dos aviões cubanos que levavam tropas
para Angola. As relações bilaterais, depois de melhorarem durante o governo
Carter, voltaram a piorar com a chegada de Reagan ao poder. Aliás, a presença
de cubanos no pais preocupava o regime militar brasileiro, que ofereceu ajuda
em troca da expulsão destes. A Guiana foi signatária da Organização do Tratado
de Cooperação Amazônica, estabelecida em 1978 (o pais também integra o SELA). A
construção da rodovia Manaus-Georgetown foi iniciada, sendo concluída e
pavimentada vários anos mais tarde.
Em 1976 Cheddi
Jagan e seu PPP voltaram a integrar o parlamento, abandonando a postura de
boicote e propondo uma unidade nacional anti-imperialista. Mas com a
proclamação da nova Constituição, voltaram a abandonar o parlamento.
Paralelamente, o pais viveu situações que complicaram a legitimidade
internacional do regime. O pastor Jim Jones, líder da seita Templo do Povo de
Cristo, transferiu mil integrantes desta religião de São Francisco para uma
comunidade agrícola utópica (Jonestown), perto de Port Kaytuma. O regime
aprovava a experiência como um modelo de comunidade agrícola e a posse de
armamento pela seita, cujos abusos levaram o congressista norte-americano Leo
Ryan a investigá-la in loco. Ao se retirar, ele foi assassinado por seguidores
de Jones, os quais, face à repercussão internacional, cometeram suicídio
coletivo (Jones e mais 900 pessoas) em novembro de 1978.
Em 1980 Burnham
foi reeleito por meios fraudulentos, enquanto a economia entrava em crise,
devido ao declínio dos preços internacionais dos produtos de exportação do
pais, tais como a bauxita, o açúcar e o arroz. Além disso, Walter Rodney, um
intelectual esquerdista de prestígio mundial, que havia fundado a opositora
Aliança do Povo Trabalhador, morreu quando uma bomba explodiu seu automóvel, num
episódio nunca esclarecido, mas que incriminava o regime. A crise da dívida,
por sua vez, atingiu a Guiana em cheio, levando-a a suspender o pagamento do
serviço em 1981.
Crescia a
economia informal e o país dependia cada vez mais da remessa de divisas pela
diáspora. Neste contexto de crise, Burnham assinou um acordo com o FMI e
permitiu às empresas transnacionais explorar as recém descobertas jazidas de
petróleo e urânio, num quadro de uma inflexão em direção ao capitalismo liberal
e de uma acentuada emigração, com acentuada perda de quadros qualificados (764
mil pessoas abandonaram a Guiana). O pais carecia de infra- estruturas básicas
e de geração de energia.
Mas Burnham
morreu subitamente em 1985, sendo substituído por Desmund Hoyte. Nas eleições
do mesmo ano, o PNC vence as eleições com 78% dos votos, em meio à denúncia de
fraude. Cinco dos seis partidos opositores criam, então, a Coalizão Patriótica
pela Democracia, que boicotou o parlamento.
Hoyte, eleito
presidente, anunciou em janeiro de 1987 o retorno ao Socialismo Cooperativo,
como forma de esvaziar a plataforma oposicionista. Mas a crise econômica e os
crescentes protestos levaram o governo a decretar Estado de Emergência em
dezembro de 1991, por seis meses. Neste período, a população declinou de um
milhão em 1989 para 800 mil em 1992, por efeito da emigração. Em outubro de
1992, Cheddi Jagan do PPP derrotou Hoyte do PNC, obtendo 54% dos votos, contra
41%.
Em 1990 a
Guiana já havia ingressado na OEA, com a Venezuela tendo levantado seu
veto.
No Suriname,
carente de quadros devido à emigração de aproximadamente um terço da
população, a situação econômica foi precária na segunda metade dos anos 1970.
A exploração de
quase toda a bauxita por uma única companhia, a norte-americana ALCOA, gerava ressentimentos,
pois ela era responsável por quase toda a exportação do pais. Uma imensa
hidrelétrica foi construída para gerar a energia necessária para transformar a
bauxita em alumínio. Neste quadro, em 25 de fevereiro de 1980, um grupo de
dezesseis sub-oficiais, liderados por Desiré Delano (Desi) Bouterse, acusando o
governo de ineficiência desencadeou um Golpe de Estado (a "Revolução dos
Sargentos"). Um ano depois o governo interino é derrubado, sob acusação de
ser demasiadamente voltado para a Holanda e os Estados Unidos, com Bouterse se
tornando presidente. Este personagem de comportamento errático, mas de
tendência esquerdista, estabelece o Conselho Militar Nacional, convidando para
integrá-lo elementos opositores ao governo anterior e esquerdistas.
Um ano depois,
em janeiro de 1982, Bouterse nomeia um governo civil-militar, liderado pelo
primeiro ministro nacionalista Errol Halibux, líder da União de Trabalhadores e
Agricultores. Em dezembro de 1982, em meio a uma onda de protestos, as forças
de segurança assassinam quinze membros da oposição, o que leva a Holanda a
suspender toda ajuda ao pais. O regime se volta, então, para Cuba, que envia
assessores militares e civis, o que, da mesma forma que anteriormente na
Guiana, preocupa o regime militar brasileiro. Para resolver a situação o
General Danilo Venturini foi enviado pelo presidente Figueiredo para oferecer
um pacote de ajuda ao pais, em troca do cancelamento da cooperação com os
cubanos, o que foi obtido.
A invasão
norte-americana à Granada, por sua vez, torna a situação interna e externa
muito tensa. Em 1984 eclode uma onda de greves, pois nos anos 1980 a economia
encontrava-se em declínio e gerava turbulências políticas, agravados pelos
embargos e corte da ajuda externa. Para complicar, em 1986 os negros Maroons da
floresta iniciam uma guerrilha no interior, na fronteira com a Guiana Francesa
(que durará até 1994). Neste contexto, o pais desenvolve uma política
externa mais agressiva, visando vencer o isolamento. Não possuindo conexões com
o resto da América do Sul e sendo o único pais de língua holandesa, o Suriname
estava voltado para a Europa, que agora o boicotava. O Suriname, que já
integrava a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, o SELA, a OEA, o
Movimento dos Paises Não-Alinhados, passou a ser membro associado do
CARICOM.
Em 1987 a
Assembléia Nacional (22 membros eleitos e 11 representantes dos sindicatos)
promulgou uma nova constituição, institucionalizando a vida política do pais. A
Frente pela Democracia e o Desenvolvimento triunfou nas eleições de janeiro de
1988, com Remsewak Shnkar se tornando presidente. Em junho de 1989 ele assinou
um acordo com a guerrilha, permitindo que ela permanecesse armada no interior.
Mas isto não pôs fim à instabilidade, pois Bouterse, que era comandante do
exército, ficou extremamente descontente com o acordo e, em dezembro de 1990,
derrubou o governo, com a Assembléia nomeando Johan Kraag presidente
provisório.
Os Estados
Unidos e a Holanda acusaram Bouterse de estar envolvido no tráfico de drogas e
ameaçaram invadir o pais. Sem mais alternativas, nas eleições de maio deste
ano, a Nova Frente, uma ampla coalizão de partidos civilistas e movimentos
étnicos de oposição, venceu as eleições, levando Runald Ronaldo Venetiaan à
presidência. Era o fim da Era Bouterse, embora não de sua influência.
4. Os desafios
da globalização e as relações com o Brasil
Na Guiana, com
a ascensão do governo Jagan, encerraram-se em 1992 quase três décadas de
domínio do PNC. Na condição de um dos mais tradicionais políticos marxistas
latino-americanos desde os anos 1950, ele surpreendeu a opinião pública ao
permitir o deslocamento de tropas norte-americanas pelo território
guianense para treinamento em operações na selva. O Brasil temeu que as
bases que os EUA possuíam no Panamá, e que deveriam ser fechadas, fossem
transferidas para a Guiana. Segundo Jagan, as forças americanas estavam no pais
para combater o narcotráfico e ajudar a desenvolver o interior, onde as
riquezas permaneciam quase intactas: ouro, bauxita, diamantes, madeira e solo
agriculturável.
No campo
econômico, Jagan seguiu as políticas do Fundo Monetário Internacional, propondo
a economia de mercado para solucionar os problemas sócio-econômicos como a
pobreza, que atingia 80% da população. As medidas liberais ortodoxas,
destinadas a conter a inflação e o déficit geraram greves, protestos e ondas de
violência. Enquanto isto, a influência dos barões da droga não cessava de
crescer. Mas em 1997 Cheddi Jagan morre e sua esposa, Janet Jagan, é eleita para
sucedê-lo, em meio a denúncias de fraude. Novas ondas de violência sacodem o
pais, com fortes contornos étnicos, pois o PPP era majoritariamente hindu,
enquanto o PNC possuía bases entre os afro-descendentes.
A mediação do
CARICOM promoveu um frágil pacto, pois Desmond Hoyte questionava o partido
dominante. Em 1999 Janet Jagan renuncia "por motivos de saúde" e o
ministro da Fazenda Bharrat Jagdeo, do partido governista PPP, foi nomeado
presidente. Apesar de formado na antiga União Soviética, ele ocupou cargos em
organismos financeiros internacionais e implementava políticas liberais desde
1995, como ministro da Fazenda. Em 2001 ele foi eleito presidente, sendo
reeleito em 2006. Apesar da estabilidade macroeconômica e do crescimento
logrados, os negros seguem sendo discriminados, o que gera inúmeros conflitos
políticos. Ao mesmo tempo o crime organizado não cessa de crescer.
No Suriname, o
presidente Runald Ronaldo Venetiaan, que assumiu em 1991, reduziu o orçamento
de defesa em 50% e o efetivo do exército em 66%, como forma de eliminar as
forças armadas como ator político desestabilizador. Da mesma forma, a guerra
civil foi oficialmente encerrada em 1994, sob a mediação do Brasil, e o litígio
com a Guiana e foi remetido às instâncias da ONU. Neste contexto, a
cooperação com a Holanda foi retomada, bem como as relações com os Estados
Unidos, nos campos da segurança, economia e diplomacia. No plano econômico o
governo Venetiaan procedeu ao clássico ajuste estrutural neoliberal, que neste
período foi mais ou menos universal (110 empresas para-estatais foram
privatizadas). A derrubada da inflação e a relativa estabilidade
macro-econômica, todavia, criaram uma situação social difícil, com o aumento da
pobreza e ações de protesto, como a ocupação da represa de Afobakka.
Apesar de
alguns momentos de tensão, pois os avanços sociais são lentos e Bouterse segue
sendo um político importante, o Suriname logrou superar a instabilidade e os
conflitos abertos da época anterior. Em 1996 Jules Wijdenbosch foi eleito
presidente, tendo governado até o ano 2000, quando Venetiaan foi novamente
eleito e reeleito em 2005, para um mandato que se encerra em 2010. O presidente
pertence à Nova Frente pela Democracia e pelo Desenvolvimento, uma coalizão
oposta aos militares. Mas os partidos se definem ainda, em grande parte, linhas
étnicas, num contexto de fragmentação parlamentar. Em 2000 Bouterse foi
condenado in absentia pelo Tribunal de Haia por tráfico de drogas, sendo
expedido um mandado de prisão, o que o obriga a não se afastar do país.
Novas
perspectivas estão se abrindo com a exploração de jazidas de ouro e o início da
produção de petróleo e gás, especialmente off-shore, explorados pela
dinamarquesa Mearkoil e pela norte-americana Occidental. As divisas estão
auxiliando o país a iniciar o desenvolvimento de sua precária infra-estrutura.
Já o ouro, é fonte de grandes problemas, pois a maioria da exploração é feita
por imigrantes brasileiros ilegais, que hoje representam em torno de 10% da
população. Obviamente o país tem problemas graves com o crime organizado e isto
torna as coisas ainda mais complicadas. Em 1998 o Suriname passou a integrar o
Banco Islâmico de Desenvolvimento.
Tanto a Guiana
como o Suriname têm se aproximado do Brasil e feito certa inflexão em
direção à integração Sul-Americana desde a Cúpula de Brasília em 2000, com
ambos países participando a construção da CASA, a Comunidade Sul-Americana de
Nações. O declínio das vantagens obtidas através dos Acordos de Lomé e a
política de controle 100% nos aeroportos holandeses em relação aos cidadãos
surinameses, tem reforçado a percepção de que uma aproximação com a América do
Sul e, especialmente, com o Brasil, representam uma nova opção viável.
Os problemas
residem na reduzida complementaridade econômica, baixo volume de comércio,
falta de conexões de transporte (especialmente com o Suriname), dificuldades em
relação à diversa composição étnico-cultural e linguística e, de certa forma, à
presença ativa dos EUA na política de segurança e combate ao narcotráfico e
delitos transnacionais, vinculada à ajudas específica. É bem verdade que o
Brasil começa a responder, através de diversos acordos na área econômica, de
segurança (policial e militar), sanitária e cultural, educacional e
científico-tecnológica. Todavia, há que incrementar o interesse e a divulgação
das oportunidades de cooperação junto aos diversos atores brasileiros,
guianenses e surinameses.
Os setores
políticos daqueles países, favoráveis à cooperação com o Brasil, necessitam
contar com o apoio de iniciativas concretas e de grande visibilidade, para
contribuírem para voltar seus países para o sul. Por outro lado, os diferendos
fronteiriços bilaterais e com a Venezuela e Guiana Francesa estão sendo
encaminhados através dos mecanismos jurídicos adequados. Embora não se
vislumbre uma solução de curto prazo, está excluída qualquer tensão nesta área,
o que cria um clima favorável ao desenvolvimento e à cooperação regional,
especialmente no tocante à dimensão amazônica, que pode ser também uma ferramenta
útil para a aproximação. Enfim, precisamos conhecer e interagir mais
intensamente com esta "outra América do Sul", que representa um
flanco importante para a integração, desenvolvimento e segurança do
sub-continente.
2005 La Guayana Esequiba – Zona en Reclamación. Instituto Geográfico
Simón Bolívar Primera Edición
Nota del editor del blog: Al referenciarse a la República
Cooperativa de Guyana se deben de tener en cuenta los 159.500Km2, de
territorios ubicados al oeste del río Esequibo conocidos con el nombre de
Guayana Esequiba o Zona en Reclamación sujetos al Acuerdo de Ginebra del 17 de
febrero de 1966.
Territorios estos sobre los
cuales el Gobierno Venezolano en representación de la Nación venezolana se
reservo sus derechos sobre los territorios de la Guayana Esequiba en su nota
del 26 de mayo de 1966 al reconocerse al nuevo Estado de Guyana:
“...por lo tanto, Venezuela
reconoce como territorio del nuevo Estado, el que se sitúa al este de la margen
derecha del río Esequibo y reitera ante la comunidad internacional, que se
reserva expresamente sus derechos de soberanía territorial sobre la zona que se
encuentra en la margen izquierda del precitado río; en consecuencia, el
territorio de la Guayana Esequiba sobre el cual Venezuela se reserva
expresamente sus derechos soberanos, limita al Este con el nuevo Estado de
Guyana, a través de la línea del río Esequibo, tomando éste desde su nacimiento
hasta su desembocadura en el Océano Atlántico...”
Mapa que
señala el Espacio de Soberanía Marítima Venezolana que se reserva, como Mar
Territorial mediante
el Decreto Presidencial No 1152 del 09 de Julio de 1968
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